quarta-feira, maio 30, 2007

Levanta-te pá!

De ti ouço dizer que estás vencido. Que te rendeste. Que já não tens força nem vontade de te ergueres. Que morres de inacção, aos poucos, devagar. Agora - dizem por aí - eles fazem de ti o que bem querem. Desempregaram-te. Ou trabalhas e não recebes - ou recebes pouco: uma miséria. Ou que a tua reforma não chega para o pão de cada dia.

Dos teus filhos não sabes - ou sabes pouco. Emigraram, uns; outros andam por aí, aos caídos. As tuas filhas, agora, são levadas a parir numa ambulância, no chão de uma garagem ou, até, em Espanha. Os teus netos, caminham muitas léguas para aprenderem o bê-á-bá e, depois, quando acabam os estudos, pedem um emprego como quem pede esmola. Os teus pais morreram à míngua de tudo - à porta da urgência que fechou, da farmácia que já não fia, da esperança que já não lhes alimenta a alma. Desistiram de vez.

A ti, tiraram-te o barco onde pescava, o arado com que lavravas a terra, a ferramenta com que rasgavas as minas, a doca onde os navios renasciam à força do teu braço, o forno de onde o aço saía misturado com o teu sangue, o torno onde moldavas a vida e o futuro. És uma a coisa a prazo, um ser precário. Uns dizem que não te deves queixar, pois no Sudão é pior.

Lá fora - eu sei - apenas os casinos, os bordéis, os resorts de luxo, o sol para turista rico, o campo de golf onde se perde a água que pagas como se fosse ouro. E os senhores feudais, a nova oligarquia da finança, mais os senhores ministros, mais os senhores presidentes, mais os senhores autarcas - aqueles que se lambuzam com benesses, com mordomias, com o por-aqui-me-sirvo: os pragmáticos, pois, que são os mais falsos e os mais perigosos.

Levanta-te, pá. Ainda é tempo. Depois, amigo, se a morte é certa, mais vale morrer de pé do que agonizar curvado, feito feto. Feito aborto.
Anda, amigo. Ainda é tempo.

por João Carlos
Retirado de: http://seixalsim.blogspot.com/

Sem comentários: