quarta-feira, dezembro 20, 2006

Dia de Natal

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros, coitadinhos.
nos que padecem, de lhes darmos coragem
para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos,
mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência,
tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse, numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutora anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta
em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido!
Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela,
se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros
como se fossem suas e fazem adeuses enluvados
aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto
e de engenhosa dinâmica, cintilam,
sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal,
de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós
e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento e compra.
louvado seja o Senhor!
o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha, salta da cama,
corre à cozinha mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda maciezada matutina luza
guarda-o a surpresado Menino Jesus.
Jesus o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho do Pedrinho uma metralhadora.
Que alegria reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas a caírem no chão
como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá. Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam que caíam crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

2 comentários:

Anónimo disse...

:)))))))))

Anónimo disse...

Grande mestre gedeão!